terça-feira, 2 de novembro de 2010

Regimes de governo e legitimidade

Estes dias, intrigada com a acusação dos ideais golpistas do PT, fiquei refletindo sobre a questão da legitimidade de um governo e do regime de governo.

Devo me acusar logo de cara que não sou entusiasta da democracia. Na verdade, em bom português, pra mim não fede nem cheira. Tenho pra mim que a legitimidade de um governo em relação ao seu povo vale mais do que o regime de governo.

Discutindo com um amigo, o qual gosto muito de conversar sobre certos temas - sobretudo porque frequentemente ele diverge da minha posição, mas sempre de modo a contribuir para o meu aprendizado, e não para eu ter vontade de mudar a pessoa para a lista de ignorados, tamanhas são as bobagens que sou obrigada a ver ou ouvir -, chegamos a alguns pontos em comum. Tomo a liberdade de postar a conversa aqui.

Samirinha diz:
e em relação ao governo ditatorial
esses dias tava pensando sobre isso
pra nós q olhamos de fora
não só cuba, como outros
será q tem como se fazer a pergunta "o que é mais relevante, democracia ou legitimidade, ainda q com autoritarismo?"
pq eu não sei se sou fã incondicional da democracia, devo dizer...
acho q eh o menos pior do q existe... rs

DIEGO diz:

acho que vc ta passando por perto da pergunta fundamental
ate q ponto a satisfação da sociedade em bem estar (seja por crescimento economico salario $$$$ ou boa saude e educação) fazem com que demandas em relação a sistema de representatividade (democracia) fiquem menos importante
ate q ponto um governo nao democratico é aceito ja q consegue agradar a população nos seus desejos mais basicos??

Samirinha diz:

simsim... vc qualificou o q eu entendo por legitimidade de forma tácita... rs
aí entra o conceito da social democracia
a dilma tava falando no jornal agora e eu tava pensando
o PT não é PT sentido estrito sensu, se fosse, não estaria fazendo associações com o setor produtivo... estaria contra eles
o PT é mais PSDB
e o PSDB é mais PL
olhando só o q as siglas representam

DIEGO diz:

vc tem que entender a questão do o que teoricamente o partido representa e o que o sistema político faz ele representar de fato
mas eu acho que vc deveria pensar não em democracia x autoritarismo, mas sim em que ponto os fluxos de desejos e demandas da população numa democracia não são atendidos pelo governo. Ao inves de esperar só na hora das eleições


Em primeiro lugar, adoro ter conversas deste nível.

Em segundo lugar, pq eu não perco a oportunidade de alfinetar... aposto que mais da metade das pessoas que fazem determinadas críticas não tem idéia do que representa social-democracia, onde ela nasceu, etc.

Em terceiro lugar, e agora voltando ao assunto principal do post. Isto que foi sumariamente discutido entre eu e meu colega converge para minha visão do desenvolvimento econômico, sobretudo considerando que há uma distinção, como diria nosso mestre Furtado, entre desenvolvimento e modernização. Seria interessantíssimo que ambos caminhassem juntos. Quando há essa impossibilidade, o que é preferível? Um país bastante moderno, tanto em termos de estrutura produtiva quanto de instituições (instituições modernas, desenvolvidas? conceito pra mim bastante duvidoso), ou um país que conhece e atende os anseios da maioria da sua população? Usando Cuba somente como exemplo.


Em quarto lugar, notem que falei "um país que conhece os anseios da maioria da sua população". Não foi aleatoriamente. Há uma grande ignorância por parte de um segmento bem determinado da população no Brasil do que representa seu país como um todo. Embora acredite que o simples fato de se conhecer essa situação não mudaria nada, fica registrado, então, que não se pode alegar ignorância ao fazer uma opção visando apenas os seus próprios interesses.


Em quinto lugar, a questão da soberania nacional, a qual eu gosto tanto, está intimamente relacionada com esta discussão.

6 comentários:

Dokonal disse...

Mas e os fascismos? Eles foram todos bastante legítimos. Então beleza?

Esse é pra mim o grande dilema de todo desenvolvimentismo. Aliás, minha primeira discussão no mestrado foi exatamente sobre isso: Dathein começou a falar sobre o desenvolvimentismo no início do século XX e simplesmente esqueceu dos fascismos.

Isso parece tapa-olho de economista. O mesmo se dá quando falam da ditadura: só conseguem ver o "Milagre".

silverinha disse...

Microeconomicamente falando, a questão principal é: qual que é a função de bem estar social que estamos escolhendo para a sociedade? e, por conseguinte, para a introdução de políticas, avaliações, etc. Ao buscar uma função de bem estar que dê prioridade para os mais pobres ou todos igualmente? mais intervencionista ou mais neutra? E como essa escolha política é vista pela sociedade? está entende claramente as opções e suas consequencias? Acho que isso que está em jogo nessa eleição que acabou de passar. Em relação a forma de governo, penso que a democracia tende ter uma vantagem em direitos humanos, representatividade, liberdades individuas, no entano ela pode sofrer de problemas de representatividade no quesito morosidade de atender os anseios do povo. Ou seja, o povo só tem voz (e nisso falo de instrumentos de opiniões do povo para o governo e feedback entre eles)na hora da eleição? Acho que a comunicação/demandas/respostas da democracia, de uma forma geral, que precisa ser melhorada. Aí que entra o tal desenvolvimento das instituições. Quanto mais desenvolvidas as instituições, mais elas tendem a fazer o papel que elas teoricamente teriam que fazer. Ou seja, dar maior fluidez nos anseios da população e maior representatividade ao povo. Fazendo assim com que ocorra um melhoramento da funcionabilidade do "contrato social" existente entre o povo e o governo.

ahhhh Sempre ótimo divergir de vc!! Estou sempre a disposição pra isso!! hahahah

silverinha disse...

Em relação a ditadura, não foi só o milagre. Mas sim o milagre, período de maior crescimento da historia da economia brasileira. Lembrando que anterior a ele teve uma reforma que expandiu o crédito na economia, criou o banco central...a pergunta é contra factual: A democracia, nos moldes que nos conhecemos, faria tantas reformas no com a rapidez necessária? A pergunta não é entre os modelos mas sim a capacidade deles de se mover em pró do bem do país. No entanto, claro e obviamente temos que observar os graves problemas das liberdades individuais. No entanto, vale observar que a ditadura brasileira foi uma das mais brandas (no sentido de matar pessoas) que existiu. Enquanto aqui no Brasil devem ter sido mortas não mais que 2000 pessoas (na verdade o número que tenho foram 500) na espanha por exemplo mataram mais de 1 milhão de pessoas. Mas já que é pra fazer as pessoas refletirem, nem de longe vou bater o martelo em relação a questão, sempre ouvi meu pai falando: "Eu não tinha ensino superior, trabalhava no comércio, a economia crescia, as pessoas compravam, tinha acesso aos bens, andavam na rua qq hora sem violencia, sem medo, pra mim tava ótimo" É de se fazer pensar uma observação dessa. Apontar qualidades de um sistema de governo como a ditadura não é defende-la, nem dizer que ela é o caminho, mas também não podemos achar que a democracia é a coisa mais perfeita do mundo. Tem seus trade-offs. Como tudo em economia.

Samira disse...

Dokie,

Agora vc me pegou. Mas vc pode ver que meus dilemas estão evoluindo, estou fazendo um catch up intelectual com vc em algum aspecto pelo menos... ahahahha... Aguardo recomendações de leitura, como sempre.

Perceba que foquei nas questões recentes. Mas, pensando bem, não sei se é um viés muito ocidental meu, mas eu não consigo concordar com as instituições do oriente médio, sobretudo às que dizem respeito às mulheres.

De fato é uma questão complexa, que certamente transcende o escopo da economia e que, por outro lado, determina o que pode ser feito no aspecto econômico - interação esta que grande parte dos nossos colegas ignora totalmente, ou reconhece que existe e desconsidera (e neste quesito fica clara sua revolta, pois de fato é pior)... Por isso quero mudar de profissão! hahahaha... brincadeira, só quero aprimorá-la com conhecimentos de outras áreas.

Diego, melhor parceria na troca de idéias ever. Devemos parar de conversar sobre comércio imediatamente! hehehe...

Rafael Moraes disse...

Sá, sobre seu excelente post, endosso sua ausência de entusiamo com a democracia, especialmente com este formato liberal, hoje consagrado. Democrácia hoje é liberdade de imprensa de mercado, direitos individuais e eleições. Não se fala em democracia social. Qual a liberdade de um analfabeto, desemprego, mal alimentado para escolher os destinos de seu país. Não existe liberdade sem satisfação das necessidades básica: alimentação, higiene, educação, saúde. Um regime verdadeiramente democrático deveria se preocupar antes de mais nada com este problema, que é muito mais sério do que a existência de 1, 2, 3 ou infinitas reeleições...
Não acho que existam hoje no mundo muitos regimes democráticos, mas tenho certeza que a melhor maneira de localizá-los não é procurando categorias chaves como liberdades individuais, de imprensa, etc, mas sim procurando sociedades economicamente justas nas quais toda a população tenha condições materiais e educacionais mínimas para optar entre esse ou aquele governo!

Dokonal disse...

Os assuntos são vários e por isso vou escrever dum jeito completamente fragmentado:

Uma das coisas que mais me deixou revoltado durante a graduação foi a aula de FEB 2 sobre o tal milagre. Especificamente com o auxílio da leitura dos capitulos daquele edificante "Ordem do progresso" sobre o tema. É o ponto de vista do burocrata do ministério sobre o período: uma reforma que expandiu o crédito, a criação do Bacen (e o fim da Sumoc, lembrem disso pra prova da Anpec!) e, sempre acessório, desregulamentação das leis trabalhistas ou alguma outra palavra difícil que o valha.

Obviamente, para um intelectual pouco importa saber o ponto de vista do trabalhador no "milagre", por isso esse assunto é sempre acessório. Isso ficou claro naquela aula quando aparecemos com um texto herético contendo relatos das condições de trabalho na Ford, Fiat e outras empresinhas durante aquele período. "Ah, isso foi um mal necessário para o crescimento do país", disse-nos o professor. É uma coisa simples de se dizer quando não é ele o afetado por aquelas condições. Mas também, que vai ele professor, um iluminado, preocupar-se com amputados e afins?

O tal texto herético pode ser lido, em partes, aqui: http://goo.gl/nIiM3

O critério para se definir o nível térmico de um governo autoritário é sempre arbitrário. Pode-se contar os corpos, pode-se tabular o número de artigos censurados, cada um define aquilo que mais lhe choca e compara ao restante. Pessoalmente me interessa a questão da repressão aos trabalhadores.

Sobre a pergunta contra-factual do Diego, de se a democracia, nos moldes que conhecemos, faria tantas reformas com a rapidez necessária:

Acho algo completamente improvável. As democracias representativas consistem na dispersão hierarquizada do poder político entre aqueles vários grupos que detém poder econômico. Nos regimes autoritários o poder político centralizado normalmente é reflexo de um controle da economia realizado por grupos mais reduzidos. Ora, é algo um tanto óbvio que com centralização de poder essas tais reformas necessárias tornam-se mais facilmente realizáveis. Aliás, o poder completo sobre os vivos e os mortos parece ser o sonho velado de todo intelectual ou administrador que se debruça sobre modelos de crescimento de governos ou empresas:

"Ah se não houvesse resistência popular ou parlamentar para o meu projeto brilhante de reforma! Ah se os trabalhadores fossem meros autômatos que apenas trabalhassem!"

Quanto à ausência de entusiasmo na democracia, acho que o Sertão indicou o caminho: o formato hoje consagrado. É a democracia representativa que desanima, há um ceticismo generalizado pairando sobre ela. É só observar as taxas de abstenção nessas eleições. E sobre esse assunto, recomendo a leitura do artigo "Entre a desconfiança e o desinteresse: A abstenção eleitoral nas democracias" disponível aqui: http://passapalavra.info/?p=1579

Pra terminar, sempre que se toca no assunto das liberdades individuais, lembro-me de uma passagem de Mario Pedrosa em "A opção imperialista":

"Onde a liberdade individual é subjugada? No setor mais importante da vida moderna, no local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar ai a autocracia e a liberdade em outras partes?”.

P.S.: Samira, não acho que essa questão transcenda o escopo da economia. O crucial aqui é a perspectiva que se adota ao analisar a questão. É definir sobre qual ponto de vista se vai olhar as coisas.

P.P.S.:Sobre fascismo eu falo outra hora.